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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Dinheiro entre marido e mulher



    Falar de dinheiro até pode não ser um assunto romântico entre o casal. Não é um tema amoroso – mas é duvidoso quando marido e mulher não se sentam à mesa para conversar sobre o vil metal que entra e sai de casa. Num abrir e fechar de olhos, o dinheiro parece ganhar vida própria e vai circulando quase sem se dar conta – mas há que fazer contas à vida. Porque a vida não é só amor e uma cabana.


O António e a Isabel, nomes fictícios, são um casal que mais parece rival a gerir o orçamento lá de casa. O homem aprecia jantar fora em lugares de luxo, a mulher prefere que a família coma em casa para não ver os euros a serem mal engolidos. Entre estas garfadas há sempre colheradas de discussões. Ambos têm perspetivas diferentes de viver os prazeres da vida – e este é apenas um de muitos exemplos de como encaram os gastos e as poupanças.
O casal decidiu que mais austeridade deveria entrar em casa para se fazer um investimento conjunto. É um ativo que poderá ser rentável no futuro, um bem seguro, herança de família, mas que necessita de restauro. Ambos concordaram em apertar o cinto por algum tempo para alargar os horizontes que têm em mente. Porém, o António quer continuar a viver o mesmo nível de vida que tinha anteriormente antes de ter feito o acordo de poupança com a mulher. A Isabel sente que está a fazer um esforço maior para conseguir poupar para o tal investimento que será dos dois. Resultado: em casa onde não há consenso, todos ralham, todos consideram que têm a razão do seu lado e começam as acusações de quem gasta mais e quem poupa menos. «A incapacidade de ouvir o outro é o que muitas vezes surge neste tipo de conflitos. Só me estou a ouvir a mim próprio, quero provar a todo o custo que eu é que tenho razão. São as tais acusações "eu acho que tu gastas dinheiro a mais", "eu acho que tu gastas dinheiro a menos, porque podias cuidar mais de ti, ir mais vezes ao cabeleireiro, estás sempre fechada em casa..."» E o rol de acusações poderia continuar sem fim à vista.
O povo costuma dizer: «Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.» Manuel Peixoto, psicoterapeuta há 30 anos e presidente da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, discorda do ditado. A frase popular pode levar as pessoas a confundir, na ótica deste especialista, que a «falta de dinheiro significa discordância».
«Não concordo com o ditado, porque o que está por detrás dessa situação não é a falta de dinheiro – mas o facto de as pessoas não se entenderem.» Manuel Peixoto frisa que a questão do dinheiro serve para tudo, quando o problema, afinal, não são as notas a menos. «Não julguem que o conflito é por causa do dinheiro. O conflito à volta do dinheiro é o conflito de uma relação. O dinheiro é aquilo que a gente quer que seja. O dinheiro é um pretexto para se mostrar a diferença, para afirmar que "eu é que sei". O que estão a fazer é falar sobre a relação e estão a utilizar um pretexto para discutir. Estão a discutir a relação: quem é que manda, quem é que toma decisões, onde é que está o poder, quem traz mais dinheiro para casa...», acrescenta.
Dinheiro não pode ser assunto tabu
Fernanda Santos, coordenadora do Departamento de Formação e Novas Iniciativas da DECO, considera, do seu posto de observação, que a principal dificuldade dos casais é quando não há uma partilha das responsabilidades: «Para uma boa gestão do orçamento familiar tem de haver uma decisão tomada conjuntamente por duas pessoas, que constituíram uma família. Há uma partilha de rendimentos, mas há também uma partilha de despesas, responsabilidades e compromissos. Ambos devem estar envolvidos nesta tomada de decisões financeiras.» Quando um é mais gastador e outro poupador, poderá haver uma explosão de pensamentos, palavras, atos e emoções não muito agradáveis entre quatro paredes. Isso acontece porque não há articulação entre o casal. «Não há uma partilha das decisões, mas se ambos conhecerem os fundamentos de cada um é mais fácil aceitar. Tem de haver uma negociação dentro do próprio casal: quanto é que cada um ganha, quanto é que cada um vai gastar, por que razão vai precisar agora de gastar mais e conquistar a solidariedade e a compreensão do outro para com esse facto», realça aquela responsável da DECO.
«Por isso», prossegue, «é que o casal tem de definir sempre quais são as suas regras para fazer a gestão do orçamento e para tomar as suas decisões financeiras». Mas, enfatiza, a decisão tem de ser tomada em conjunto e não só por um dos elementos do casal para haver uma relação financeira saudável.
Conversar sobre dinheiro pode, aparentemente, não casar bem com romantismo, mas algumas roturas têm a ver precisamente com assuntos financeiros mal discutidos. E aquela responsável da DECO fala até na relevância de partilhar estes assuntos com os filhos, para que acompanhem a vida financeira da família: «Nós aconselhamos que a gestão de um orçamento familiar deve ser feita com a colaboração de todos: do pai, da mãe e dos filhos. Pode entrar na educação financeira dos filhos saberem qual é o dinheiro de que o agregado dispõe, dependendo da idade. É importante começarem a perceber que agora têm de poupar mais, porque vão fazer, por exemplo, um investimento e há determinadas coisas que não poderão ser compradas. O dinheiro não pode ser um assunto tabu», defende.
Quando o vil metal é um assunto tabu, é sinal de que algo vai mal lá em casa. O dinheiro tem mesmo de se colocar em cima da mesa (não no sentido literal): «Se isso não acontecer, quer dizer que alguém no seio da família vai ficar excluído por decisões sobre as quais não teve informação prévia e certamente será responsabilizado.» Fernanda Santos refere-se, nestes casos, ao exemplo dos créditos. «Só um dos elementos toma a decisão sobre créditos que são contraídos e ambos são responsáveis pelos mesmos e isso pode ter consequências, quer a curto quer a longo prazo.»
As negociações da nova família
A maneira como se lida com o dinheiro tem quase sempre uma história por detrás. Cada membro do casal tem princípios recebidos da família de origem sobre a forma como deve gerir as notas e as moedas. Quando um casal se une não faz tábua rasa dos princípios herdados. No entanto, ressalva Manuel Peixoto, tem de construir algo novo. «Quando encontramos duas famílias com princípios tão diferentes uma da outra, o casal vai ter de se desligar das famílias de origem e ser capaz de construir um novo princípio.»
Eis um exemplo simples: a mulher diz que o melhor arroz doce do mundo é feito pela sua mãe, o homem acha que o da mãe dele é que é mesmo o melhor do mundo. Das duas uma: ou a discussão continua infrutífera ou se tenta chegar a um consenso: «O nosso arroz doce, que nem é da minha mãe nem da tua, é que é o melhor do mundo», metaforiza o terapeuta conjugal que realça: «É uma nova família com alguns princípios que vieram da antiga, mas onde houve negociações.»
Segundo Manuel Peixoto, um dos erros mais comuns dos casais no que ao dinheiro diz respeito é a não-negociação. É a tal história de que falávamos lá atrás da construção de um novo modelo após a união de um casal – mas ninguém diz que será fácil: «Quando construímos um novo modelo temos ainda em simultâneo o antigo. É uma situação complicada porque são necessárias referências do antigo e ainda não se sabe como é o novo modelo. Há um paradigma cessante, um paradigma vacilante (que é o que está em construção) e há um novo paradigma – e há certos momentos onde isto coexiste.»
É no chamado paradigma vacilante que as negociações são mais difíceis. O terapeuta invoca a Constituição, a lei fundamental do país, para ilustrar o funcionamento de uma família saudável: «As famílias também têm uma espécie de Constituição da República. A questão da poupança ou dos gastos faz parte das leis gerais. Se vamos juntar duas pessoas com Constituições diferentes, qual é o sentido de ficarem o resto da vida a dizer "a minha Constituição é que é boa"?», questiona.
Decisões do casal
Quando um casal chega ao consultório com discussões sobre dinheiro, o terapeuta costuma perguntar-lhe qual o modelo da sua relação em termos bancários: se as suas contas estão todas juntas, se há uma conta conjunta e outras separadas para manter as necessidades individuais ou ainda se têm tudo separado. Nós perguntamos qual é o modelo ideal. Com reservas, Manuel Peixoto responde que «não se pode ver esta questão de forma rígida», mas «no meio é que está a virtude. Tudo o que é radical não produz muitas coisas boas.» Sublinhe-se, no entanto, que não há duas famílias iguais e a questão das contas deverá ser uma decisão do casal.
As decisões e os modelos dos casais são afetados, sobretudo numa fase inicial, em que há uma elevada taxa de desemprego entre os jovens. Como é que o desemprego pode gerar conflitos numa relação recente? – é uma questão que se impõe. «Os que se constituíram casal nesta altura ainda têm uma grande dependência em relação às famílias de origem. Alguns vivem na casa dos pais da mulher ou vice-versa e estão dependentes financeiramente. Sentem uma espécie de obrigação de ouvir os bons e os maus conselhos das suas famílias de origem», constata Manuel Peixoto, que alerta: «Isso promove uma intromissão das famílias de origem na vida do casal. A possibilidade da autonomia da formação de um novo casal fica muito condicionada. Há um que fica a sofrer um impacto muito grande da família da mulher ou do marido, dependendo da casa onde está a viver.»
Curiosamente, o terapeuta diz que neste momento é mais frequente fazer terapias de casal onde chama as famílias de origem para negociar as questões de autonomia do novo par. «Nesta fase de formação do casal, a falta de dinheiro traz muitas vezes essas consequências», revela.
Quanto aos casais já estruturados, embora a viver com grandes cortes no orçamento familiar, há soluções que podem ser encontradas em conjunto para resolver algumas situações: «Esta crise vai desafiar [os casais]. "Nós vamos encontrar os dois uma resolução para a nossa falta de dinheiro" – dirão muitos. Será um desafio à criatividade, à poupança e à forma como ganhar mais dinheiro.»
Os segredos para uma relação estável, apesar de todos os problemas financeiros que possam surgir, são, segundo este especialista, a tolerância, a capacidade de se pôr no lugar do outro e a comunicação. «Comunicar é pôr em comum – é isto que também permite a construção de um novo modelo.»